O capitão Joel Rocha, da Polícia Militar de São Paulo, discursa sobre religião com a habilidade de um pastor. Suas palavras, cuidadosamente escolhidas, lideram os PMs de Cristo, associação de policiais militares evangélicos que completou em junho 20 anos de atuação dentro da PM paulista. Algo curioso para um ambiente facilmente associado a armas e combate à criminalidade, mas não à atuação religiosa. Há na corporação, entretanto, milhares de evangélicos, muitos deles atuando pela fé. “Enquanto conversamos, provavelmente em alguma reunião de quartel nosso grupo está orando”, diz o presidente da entidade.
E ele o faz com alguma base estatística. Dos cerca de 100 mil policiais do estado de São Paulo, 25 mil se declaram cristãos. Destes, em torno de 2 mil são PMs de Cristo, ou seja, 8% do total. Considerado um “braço amigo da PM”, o grupo age alinhado com a visão laica do comando, garante Rocha. “Temos o apoio incondicional para valorizar a figura humana do policial”, diz. Uma missão que ganha cada vez mais relevância conforme policiais são associados a uma conduta truculenta e casos de mortes de civis causadas por erros.
Para combater essa imagem, os PMs de Cristo reúnem policiais militares e civis voluntários de diversas religiões cristãs evangélicas para estimular nos companheiros características bíblicas de Jesus Cristo, como honestidade e coragem. Assumem também a propagação de valores cristãos à corporação e às pessoas com quem esta se relaciona. Tudo isso, por meio de núcleos espalhados pelo estado e com uma agenda movimentada.
Os frequentes eventos chegam a ter a participação de mil pessoas. Não chega a surpreender que a entidade tenha acabado de ganhar um dia no calendário oficial de São Paulo, graças ao projeto de lei de um deputado estadual. O dia pode ter sido ideia de um político, mas a entidade se apressa para dizer que o grupo é apartidário e com origem distante. Parte da história de Neemias, personagem bíblico que mobilizou as famílias de Israel para a reconstrução dos muros de Jerusalém.
É comum os voluntários realizarem atividades comunitárias nos espaços da Polícia Militar e em diversas igrejas, além de oferecer um serviço de capelania e orientação espiritual para complementar as ações de apoio pessoal da PM. Algo fundamental para o presidente dos PMs de Cristo, pois os policiais vivem em um ambiente onde a margem entre o correto e o ilegal é muito estreita. “Lidamos com valores fortes como a liberdade e o direito à vida. Isso provoca um nível de estresse elevado.”
Justamente o tipo de ambiente que atrai mais religiosos, explica Leonildo Silveira Campos, teólogo e especialista em Antropologia da Religião. Para o professor da Universidade Metodista de São Paulo, a religião é um elemento chave em grupos profissionais com clima deincertezas. “Durante as guerras, as Forças Armadas sempre levavam para as trincheiras capelães para realizar cultos e missas a fim de fortalecer os soldados na batalha contra oimponderável”, diz. Para ele, em regiões onde a atuação policial é mais perigosa, como Rio de Janeiro e São Paulo, é possível que a ação até traga certo benefício psicológico.